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Férias de verão sem praia, mas com muita onda! (Parte II)

Continuando...

O mais surpreendente de todo este curso foi minha descoberta com a matemática. Conheci uma outra matemática, na real eu já desconfiava que ela deveria existir. A matemática que os alemães Uta Stolz e Martin Wienert nos apresentou traz em sua metodologia e didática uma concepção da matemática enquanto algo da natureza, ou seja, sentir a matemática orgânica.

Ao final do curso fizemos uma dinâmica de encerramento: recebemos nosso certificado, recebemos uma foto como lembrança e também recebemos tarefas: escrever durante um ano (agosto de 2014 a julho de 2015) um diário de nossa vida como professor-a ou como mãe-pai e transformar este diário num artigo que deverá ser apresentado no segundo módulo: julho de 2015.

Abraços emocionados. Lágrimas contidas. De repente o céu fica cinza, troveja e relampeja, cai um temporal e as lágrimas seguem contidas e tímidas. A longa despedida é interrompida. Todos se vão, esperando a chuva passar, esperando o próximo verão.

Passou-se uma semana. E no dia 3 de agosto nós três: eu, Nuno e Maria Alice, tomamos um ônibus rumo a San Miguel de Allende, um Pueblo mágico do estado de Guanajuato. San Miguel de Allende é considerada uma das cidades mais bonitas do México, logo do mundo. E de fato ela é linda e cinematográfica. Bonita demais, limpa demais, organizada demais. A cidade não tem outdoor. Os carros sempre dão preferência aos pedestres. As praças sempre lotadas, dia-noite-dia. Muitos músicos, estudantes, turistas, mariachis, performances, jovens dançando break, tour noturno pela cidade guiado por um nativo contador de história que conta lendas e mitos assombrosos de cada beco da cidade.

Há exatamente um ano atrás nós estivemos de férias nesta mesma cidade. Maria Alice ainda não andava. Ficamos no mesmo hotel, no mesmo quarto, a meia quadra do Zócalo (praça central da cidade). Pois, desta vez eu não fui para passear pelas lindas ruas e becos de paralelepípedos com casas coloniais-rústicas coloridas. Com muitas árvores, pedras, sol e cactos. Com muitas cores de Frida Kahlo. Desta vez fui para fazer o curso “la educación y el arte de la palabra” com Támara Chubarovsky e Euritmia com David Michael Monasch. Para detalhes do curso ver aqui: http://centroantroposofico.org/la-educacion-y-el-arte-de-la-palabra/

O curso foi promovido pelo GITA – grupo de estudos antroposófico que tem sede em Cuernavaca, estado de Morelos. Mais informação sobre o GITA clicar aqui: http://centroantroposofico.org/.

No dia 4 de agosto, numa segunda-feira, acordamos cedo, a cidade ainda dormia e em jejum tomamos um táxi para a escola Árbol de Vida, sede do curso. Nós e o taxista nos confundimos com o endereço e, portanto cheguei atrasada no meu primeiro dia do curso. Cheguei direto para os exercícios de linguagem comandada por Támara Chubarovsky. Ao entrar num salão redondo, com um piano ao fundo, vi um círculo enorme de gente, mexendo mãos e línguas, produzindo muitos sons e movimentos. Fiquei confusa. Entrei timidamente. Logo notei a pequena Támara, bonita e simpática, com o reconhecível sotaque porteño, uma fala viva, imponente. Já tive minha primeira boa impressão aí, entrei já com o bonde andando, no auge da ladeira.

Às dez da manhã houve uma pausa para o café da manhã. Neste momento além de calar o ronco na minha barriga, aproveitei para me despedir de Maria Alice e Nuno e também dei uma volta legal pela escola. E só então pude perceber onde eu estava. Pude ver as cores, a beleza. Conversando com alguns professores e pais da escola, soube que a Árbol de Vida é baseada na pedagogia waldorf e funciona há 18 anos. A escola não tem donos e foi construída através de doações. As famílias são responsáveis em administrar a escola e arcar com os gastos.

Enquanto eu passava o dia no Àrbol de Vida, Nuno e Maria Alice passavam o dia passeando pelos parques e praças da cidade, pelo museu do brinquedo, visitando as exposições de catrinas e caveiras mexicanas, pelo jardim botânico. E as noites, nós saíamos para jantar e passear um pouco mais, antes de irmos para o nosso quarto de hotel dormir exaustos.

O curso “La educación y el arte de la palabra” foi entre os dias 4 e 8 de agosto. Sempre pontual e bem organizado, o curso começava as 08h00minh00min com a argentina Támara Chubarovsky onde ela fazia diversos exercícios de voz, fala e linguagem com a gente. Às 10h00min tínhamos uma pausa para um café da manhã. Às 10h45minh00min retornávamos ao salão redondo e por uma hora e quinze minutos fazíamos exercícios de euritmia comandado pelo estadunidense David Michael Monasch, que falava em inglês e Pedro, uns dos organizadores do curso, traduzia para o espanhol simultaneamente. Às 12h00min íamos para uma sala de aula para aprofundar aspectos teóricos de linguagem, desenvolvimento infantil, pedagogia waldorf, com Támara Chubarovsky. Às 13h30minh00min tínhamos uma pausa para o almoço. O cardápio vegetariano sempre nos servia uma comida leve, gostosa e saudável. Às 14h45min estávamos de volta para o salão redondo para a aula de euritmia com David Michael Monasch. E ás 15h30min íamos para sala de aula com Tamára Chubarovsky para a prática de introdução a escrita para as crianças e por fim, o curso terminava às 17h30min. Ufa! Das 30 pessoas inscritas no curso, apenas 2 eram homens. 26 mexicanos, 1 suíça, 1 brasileira (eu), 1 chilena e 1 venezuelana. A maioria trabalhava em escola waldorf.

O curso foi intenso. Foi aquele cansaço que a gente suporta quando está bom, quando você não quer que termine, pois a verdade é que não há fim. O propósito do curso, sobretudo, foi trazer a linguagem em questão. Foi tratar a linguagem como algo inato a vida. Descobrir nossa linguagem: que sai de nossas entranhas atravessa gargantas, molha nos olhos, rasga na boca, expressa no gesto.

Através de nossa linguagem nos mostramos como nos sentimos e o que queremos dizer. Para Támara Chubarovsky, necessitamos constantemente romper com padrões e costumes que se manifestam em nossas linguagens. Támara defende que o educador-cuidador da criança precisa estar sempre trabalhando sua linguagem. Através da palavra aparece seu próprio eu. O educador-cuidador precisa pôr energia na palavra. Encontrar seu próprio tom de verdade. Quando falamos, a vibração de nossa fala chega à criança. Támara considera que tanto gritar quanto sussurrar com a criança um perigo para o desenvolvimento da linguagem-comunicação da mesma, o sussurro e o grito são dois extremos que expressam uma comunicação desequilibrada. Portanto, a voz do adulto e em especial ante as crianças, deve ser suave, clara, articulada.

Támara Chubarovsky criou um próprio método terapêutico e pedagógico para o desenvolvimento emocional, físico e mental através do movimento e da voz, para mais informação visite seu próprio site: http://www.vozymovimiento.com/ neste link você encontrará diversos artigos sobre o tema, diversos vídeos de rimas e jogos para trabalhar a linguagem.

Normalmente os três primeiros anos do desenvolvimento do ser humano vão numa progressão: primeiro desenvolvemos nosso andar, encontramos nosso eixo-equilíbrio. O processo de aprender a andar deve se dá com muito amor e carinho, principalmente da mãe, para que a criança possa sentir-se confiante e vencer seus medos e fraquezas para manter-se de pé. Logo, desenvolvemos nossa fala. Nesta etapa devemos falar com clareza e verdade. Devemos ter uma comunicação suave, verdadeira e coerente. E por fim desenvolvemos nosso pensar.

Para Támara Chubarovsky, durante o primeiro septênio é muito importante trabalharmos a simetria, pois os movimentos simétricos ajudarão as crianças a ter equilíbrio. Através de muitas rimas e movimentos com as mãos e dedos, pode-se estimular a criança, porém vale ressaltar também que no cotidiano desta criança, em sua vida familiar é necessário trabalhar estes movimentos simétricos, ou seja, estimular sem necessariamente estimula-la. O ato de varrer, de escrever, de amassar o pão, de torcer a roupa, sacudir, estender no varal, são movimentos simétricos que naturalmente vão estimular as crianças. Entretanto, hoje em dia a vida moderna está sofrendo uma pobreza de movimentos, principalmente em países desenvolvidos e profundamente já arraigados na cultural industrial da utilidade. Ao invés de varrer usa-se aspiradora. Ao invés de torcer roupa que já sai da máquina quase seco, ao invés de lavar louça põe na máquina. É só apertando botões. São movimentos muito econômicos e por sua vez pobres e até mesmo antiestéticos, segundo Támara Chubarovsky.

As atividades de euritmia que praticávamos com David Michael Monasch se conectavam com as questões acerca da educação e a arte da palavra provocada por Támara Chubarovsky. Através da euritmia, expressando com som e movimentos corporais, vivenciamos as vogais. Os exercícios de euritmia eram conduzidos de tal forma que as vogais naturalmente se manifestavam em nossos movimentos e sons. Em suma, é sentir a linguagem como parte de seu organismo.

Na pedagogia Waldorf não se introduz a escrita e a leitura antes dos setes anos. Pois se acredita que o corpo da criança ainda não está pronto para trabalhar a intelectualidade academicamente. Os três primeiros anos se forma a primeira dentição, ou seja, os dentes de leite. Logo, até aproximadamente os sete anos, se forma a segunda dentição. Os dentes são sinais externo de que as funções orgânicas do seu corpo estão desenvolvidas. Contanto, durante o primeiro septênio deve-se dar muita importância ao desenvolvimento corporal, já que o desenvolvimento cognitivo parte deste. Através do ritmo, com muitas canções, se trabalha: equilíbrio, coordenação, memória e tempo.

A música e a euritmia são atividades básicas para trabalhar a linguagem. Pois através destas, se exercita a respiração: para falar bem é preciso respirar bem e vice-versa. Para cada 4 passos nós temos uma respiração completa. A cada 72 passos temos 18 respirações. 72 pulsações do coração por minuto e 18 respirações por minuto. A nossa respiração de um dia equivale a um dia cósmico do sol. Muitas das epopeias gregas eram contadas neste ritmo: a conexão do corpo humano com o corpo-terra, corpo-natureza, corpo-astral, corpo-cósmico.

Segundo a pedagogia Waldorf uma criança para aprender a ler e escrever deve ter tais capacidades: COGNITIVAS: memória, concentração, compreensão, escuta ativa, distinção auditiva. EMOCIONAIS: autoconfiança, autoestima, autocontrole, segurança, linguagem, respeitar regras. CORPORAIS: coordenação psicomotora, lateralidade definida (há estudos que defendem que antes dos seis anos a lateralidade do ser humano não é definida, ou seja, não podemos determinar se a criança é destra, canhota ou ambidestra antes dos seis anos), estabilidade, equilíbrio, orientação espacial e geografia corporal.

Antes de introduzir a escrita se introduz desenhos de formas. Exercitam-se traços, curvas e linhas. Depois deste processo, aos sete anos, se introduz a escrita através de contos. Narra-se uma história (com ritmo) tratando de criar imagens das letras. Exemplo: “Em um domingo pela manha a mamãe vai com os filhinhos passear numa linda montanha. Ao chegar à montanha a mamãe prepara a merenda...”. Deve-se narrar um conto curto. No dia seguinte, a professora junto com os alunos lembra-se da história contada no dia anterior. A professora novamente narra à história e cada aluno deve desenhar a história em seu próprio livro. Vale ressaltar que na pedagogia Waldorf os alunos produzem seus próprios livros. Neste momento a professora também desenha no quadro e logo compartilham os desenhos entre si. Através dos desenhos a professora junto com alunos trata de identificar que letra aparece neste desenho. Neste caso, a professora desenha a letra M nas próprias curvas e traços das montanhas. Logo, os alunos identificam o M de montanha. A letra M é vista e sentida pelos alunos, que através da história cantada e das imagens vivem e sentem a letra. Depois de desenhar a letra na montanha as crianças vão brincar com esta letra, vão desenhar ela no ar, no corpo, identificar ela no ambiente.

Depois de algum tempo vivenciando a letra, as crianças vão escrever esta letra. Escrever a letra é a última etapa do processo. Todo este processo deve ser totalmente artístico, estético, os desenhos devem ser bonitos.

Na pedagogia Waldorf todo o movimento é de contrair e expandir, inspirar e respirar. De lembrar e esquecer. De dormir e acordar. Estamos sempre terminando, sempre começando, sempre em processo.

Quando o curso acabou, todos nós respiramos cansados. Todos nós inspiramos satisfeitos. Todos nós contraímos adversidades e expandimos desejos, ali, no Árbol de Vida, com os cactos firmes feitos flores de pedra, naquele ambiente sertanejo florido, onde o silêncio dos cactos não tem vento, tem fogo. Através do imenso azul o sol irradia no verde até que este cinza. Até que a terra pedra. Até que raios transformam-se em temporal. Nesta primeira semana de agosto, estávamos em tempos de chuvas em San Miguel de Allende. Como um forte temporal o curso chegou ao fim, descarregando raios energéticos, provocando estrondos.

​Durante todo o curso eu me lembrava de meu pai. A poesia pulsou o tempo todo durante os cinco dias de vivência. Sou filha de poeta, duplamente. Mãe e pai poeta. A louca e o anarquista. A romântica do mais puro drama ao mais duro idealista. Nasci nesta estrada bifurcada. Da leveza que se se desequilibrou nos pesares, caindo solidamente nos corações alheios. Da dureza rígida que levemente estalou-se liquidamente no espaço molhando olhos alheios. Ele me ensinou o poder da palavra: dita, escrita, vista, sentida. Ela me mostrou a rima descompassada da palavra. E agora me vejo-sinto numa trindade. Eu, Nuno e Maria Alice. Nós três num verbo diante de di-versos poemas em nossas línguas. Em uma só oração.

Maíra Castanheiro.

Valle de Bravo, 22 de agosto de 2014.

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