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E Maria Alice vai à escola...

Hoje vou contar pra vocês sobre a escola que Maria Alice passou a frequentar em fevereiro deste ano, ela com um ano e dois meses então. Para muitos, a simples menção da palavra escola, em especial para uma niña de apenas um ano e dois meses é visto como absurdo. A palavra escola nos lembra de tantas prisões que o repúdio a mesma é compreensível. Rara são as escolas livres. E mais raro ainda são as escolas livres que não sejam elitistas. Entendemos escola como um espaço de cuidado coletivo, tendo em vista que cada vez mais as tribos são menores e a socialização se faz necessária.


Vivemos em uma pequena cidade: Valle de Bravo fica no Estado de México a apenas 156 km da Cidade do México, capital do México. Valle de Bravo é um Pueblo mágico com um pouco mais de 60 mil habitantes entre mexicanos, estrangeiros e mazahuas, rodeados por montanhas, bosques, rios, cachoeiras e lagos. Turismo, gastronomia e esportes radicais e aquáticos movem a pequena Valle de Bravo que tem uma considerável população rica, de privilegiados.

Valle de Bravo também tem uma população neo-hippie considerável. Em 1971 o distrito Avándaro (na época uma espécie de zona rural de Valle de Bravo e hoje uma zona de hippie chic e esportistas descolados ricos) sediou um grande festival de rock conhecido como o Woodstock Mexicano. Desde então, Valle de Bravo e as zonas vizinhas (Avándaro e Acatitlán) passaram ser a “onda” atraindo pessoas ligadas ao mundo hippie: reiki, massagens, permacultura, bioconstrução, Antroposofia, homeopatia, acupuntura, yoga, todas as pessoas que exercem esses ofícios encontram em Valle de Bravo um refúgio.


Fugindo da vida urbana e caótica da grande Cidade do México, muitos chilangos de classe média optam por viver em Valle de Bravo na construção de outro ritmo de vida.

Nós, que também somos privilegiados (há vários níveis de privilegiados) fugimos da encantadora cidade monstro e viemos pra cá. E aqui parimos. Nossa pequena cresceu e com um ano de vida dava seus primeiros passos. Foi neste momento que pensamos em colocá-la num maternal meio período.


Teoricamente eu concordo que o melhor pra criança é que ela fique em casa com a mãe e o pai até completar três anos. Mas fico no campo da teoria mesmo, porque na prática é outra coisa. Acredito que a educação base é a do lar. Mas o mundo também educa. E acredito que socializar a educação é preciso e a convivência com outras crianças também educa, por essas e outras decidimos (mãe e pai) pôr Maria Alice num maternal.


Fomos conhecer várias escolas: dos privilegiados (privada) e dos desprivilegiados (pública). Não à toa, a escola do privilegiado era ideal e a do desprivilegiado real. Não ficamos com nenhuma. E foi nesta busca, conversando com amigos, que conhecemos La Eskuelita. Uma escola administrada pelas famílias que compartilham do cuidado coletivo.


La eskuelita, materializada em La casita de Acatitlán, abre suas portas e janelas desde agosto de 2013. Porém, sua história começa alguns anos antes, de projetos que a antecederam com intuito de uma educação desescolarizada e ativa.


A busca de um espaço onde pudesse haver amor e confiança, onde as crianças estivessem felizes e seguras enquanto pais e mães trabalham e se ocupam de si mesmos, passou a ser urgente para algumas famílias que procuravam uma alternativa às creches e escolas locais. Em agosto de 2012 estas famílias arregaçaram as mangas e começaram uma iniciativa de maternal waldorf num espaço chamado La Canica, que há 14 anos vem oferecendo oficinas de manualidades e artes para crianças. Este espaço conta com uma ludoteca e é coordenado por Silvia García Martin. Para mais informação ver: http://www.lacanica.net/


Logo no semestre seguinte, em janeiro de 2013 o projeto mudou de espaço, passando acontecer na casa de uma das mães, Mariana Tukalima, que encarou um projeto de educação domiciliar com a gurizada. Contratou Andree Alvarado Bucio como sua assistente. Por motivos pessoais, Mariana Tukalima já não pôde seguir com o projeto de educação domiciliar com a gurizada. E mais uma vez o projeto precisou mudar de espaço. Portanto, a necessidade de um espaço próprio foi crescendo tão rápido quanto às crianças.


Foi neste momento que algumas mães decidiram começar com La eskuelita, alugando La casita em Acatitlán, já que a maioria morava nos arredores. Contrataram a Andree Alvarado Bucio como professora e Lorena (que trabalha em La Canica cuidando de crianças) como assistente. Encabeçado por três amigas: Lourdes Angulo, Yumi Ueda e Adris Martinez, mães de Lucas, Andrés, e kenji, três niños entre 2-4 anos, os três de dupla-nacionalidade (México e/ou Austrália, França e Suíça) e bilíngues. Todos os pais e mães têm ensino superior completo, são de classe média e a maioria é chilango (aquele que nasce na Cidade do México/DF).


Com inspiração na pedagogia Waldorf, la Eskuelita é um sonho diariamente construído por famílias que como muitas, tentam construir no seu cotidiano uma vida mais humana, resgatando o contato e o conhecimento com a natureza. La Eskuelita atende a crianças desde um ano – que já andam, até cinco anos. Conta com duas cuidadoras. Todas as decisões são tomadas coletivamente. Mães, pais, crianças e cuidadoras fazem a horta, o jardim, os materiais didáticos, e se reúnem regularmente para fazer as contas, resolver trâmites, estudar a pedagogia Waldorf, decidir sobre o cardápio, e uma série de coisas que a todo o momento surge. Whatsapp e facebook são mecanismos usados para a comunicação.


Comprometidos com uma educação participativa e sem fins lucrativos, as famílias administram La Eskuelita. A mensalidade se refere aos gastos: aluguel, água, luz, gás, salários das cuidadoras, e uma pequena poupança para eventuais gastos, além de também pagar a formação continuada para as cuidadoras e aos pais e mães. Algumas famílias têm bolsa parcial: nós somos uma delas. Os filhos das cuidadoras têm bolsa integral.


Quando Maria Alice conheceu la casita tinha um ano e dois meses e meio. Era fevereiro, fim de inverno. Eram então dez crianças, sendo Maria Alice a mais nova e o mais velho com quatro anos. Passado alguns meses, podemos dizer que estamos nós três muito contentes em participar deste projeto. Agora, caro leitor, me dê sua mão que eu vou te mostrar nossa casa, com vocês: La eskuelita!

É uma casinha rosa com o verde do gramado a qual chamamos de “la casita de Acatitlán”. É verde-rosa! E justo nesta Eskuelita que Maria Alice passou a sambar em outro lar. Em um campo aberto ao céu. No horizonte montanhas e bosques. Com milharal ao redor. Com os cantos dos pássaros, os mugidos das vacas, os latidos dos cães, os cacarejos das galinhas, as crianças se reúnem em círculos transversais para liberarem-se de si. Às nove da manhã as crianças chegam a la casita. De mãos dadas e cantando as crianças caminham até onde o sol reluz nas pedras.

Os cavalos ou os cachorros gigantes despertam nas crianças um desejo de montar e cavalgar pra onde o cavalo galopar. Para além das montanhas e dos bosques. Caminham sob a lama e descansam sob as pedras. Comem frutas e bebem água fresca.


Nos rostos, ora há sorrisos de uma alegria simples e pura, ora há lágrimas de choros desmedidos incompreendidos, quando se dão conta de que são sós. Ora há profundidade naquele olhar distante, naquele olhar fixo, naquele olhar curioso, naquele olhar inocente, naquele olhar presente.


Distraídos e sem medo de serem felizes, as crianças vencem os perigos da vida ao saltarem do ponto mais alto que alcançam e caírem inteiros. Apenas caem, levantam e se recuperam do susto, do choro, da dor e da graça. E voltam a buscar um ponto mais alto para subir e lançar seu voo.


É cavando terra e brincando com pedra: raiz e dureza. É regando flores e plantando: dar e receber. É cantando com o corpo e coordenando energias cíclicas. A cada canção um anúncio da próxima ação. Os ritmos são narrados e gesticulados em sintonia.


Num ritmo de inspiração e respiração, contração e expansão, as crianças dão volta ao sol. E antes da saudade compassar no relógio, às duas da tarde chega o pai ou mãe para abraçar aquele corpo pequenino, quente, trespassando energia sinfônica.


E assim é o dia a dia de La Eskuelita. Quando se bate o cadeado do portão, cada criança em seu caminho de volta para o lar vai com o coração aberto, o corpo leve e cansado e a mente tranquila.


Quando a maternidade-paternidade bate na nossa porta, uma janela se abre e nos mostra outras trilhas, basta entrar no bosque e você verá infinitas trilhas de paisagens belas. É tanto amor que transborda que muitos pais e mães saltam pela janela para seguir essas trilhas. E você? Já abriu suas portas e janelas?

Maíra Castanheiro. Valle de Bravo, 14 de agosto de 2014.

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